12/01/2010

A descaracterização da moral brasileira

A palavra perdão bem que tinha, e, acredito que ainda tenha, algum significado coerente com a ética social. Ela se alia ao sentimento de arrependimento, ao recuo de um comportamento que possa ser considerado inefável, inócuo, incrédulo, insípido, inconseqüente..., coisas desse tipo. Prova disso, aliás, é que ela foi dita por Jesus Cristo num momento dos mais sagrados da bíblia: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que dizem”.

A razão da palavra parece estar perdendo o seu conteúdo, está sendo usada como se fosse uma moeda de troca: se vos perdôo, por que não me perdoas? Não é, e não pode ser bem assim. O fato é que ela está sendo dita a esmo, em controvérsia com o seu sentido maior: a humildade.

Um dos fatos – senão o maior deles – mais recente e mais picante, trata-se do escândalo da roubalheira dos “Arrudas”, categoricamente exibido pela mídia em todo o Brasil. Por conta do ridículo que mais uma vez deixou o país estarrecido, os protagonistas vêm tentando descaracterizar as falcatruas num pedido de perdão. E o que é pior, se fazendo de vítimas.

A hipocrisia perdeu sua hombridade, além de insinuar-se arrogante e sem limites. Não bastasse o escândalo, uma comissão para apurar a desonra do pais foi constituída, contendo, na sua maioria, os aliados do Arruda. E tem mais: o seu presidente ou relator é o parlamentar que escondia o dinheiro roubado nas meias. Conforme o jornal “Bom dia Brasil”, do dia 12/01/2010, da rede Globo, o senhor Arruda não se ausenta do cargo para as devidas apurações da roubalheira, em função dos exemplos deixados pelo Presidente do Senado, José Sarney e pelo Renã Calheiros.

Diante da cara-de-pau dos protagonistas, enquanto a justiça nada pode fazer, se é que ela vai se interessar em fazer alguma coisa, a frase do inesquecível Vinicius de Morais nos cai muito bem: “Agente vai levando, agente vai levando, agente vai levando...”.

O conceito da ética na sociedade precisa ser respeitado. O direito, em se tratando de justiça é, e acredito que continuará sendo, a válvula mestre da coerência da cidadania, ele é o pilar incondicional de sustentação da dignidade humana. Caso ele perca o sentido, onde é que o povo vai se apegar, se amparar e se espelhar na construção educacional de seus filhos? A partir do momento em que ela – a ética - deixa de existir, a própria justiça também perde a razão de ser, uma vez que a moral do cidadão fica abalada, desmotivada e, mais do que isso, sua moral torna-se insignificante.

Citando ainda as imagens que caracterizaram as roubalheiras dos “Arrudas”, o que mais incomoda a sociedade brasileira, é o comodismo das autoridades que se fazem de cegos, parecem esperar que a poeira passe, que o povo esqueça. .

Que país é esse? Onde está a sua vergonha? Nomeações ilícitas, discriminações e injustiças sociais, instituições que não se justificam por si só, que não se explicam, servem apenas para abanar os deleites dos abutres de colarinhos brancos. Está na hora desses bandidos respeitarem a dignidade e a soberania da memória política de governantes como JK, Getúlio Vargas, Tancredo Neves, dentre tantos nomes honrados.

Enquanto isso, na sala de justiça, os “Arrudas” caminham pra lá e pra cá, sem serem molestados e, talvez, quem sabe, o povo os vejam na avenida Sapucaí, no Rio de Janeiro, de “teclados abertos”, gastando um pouco do dinheiro público, assistindo ao desfile de uma escola de samba, como se nada tivesse acontecido.

Mas afinal, quando, e qual vai ser o próximo escândalo dos políticos do Brasil? Quem viver, verá.

Gilson Nunes é jornalista

05/09/2009

Política brasileira na internet

POR CESAR PAZ

COMO É praxe nos anos anteriores a cada eleição, o Congresso brasileiro se apressa para definir as novas regras para as campanhas políticas visando o pleito de 2010. Regimentalmente, esse é um trabalho complexo, visto que o código eleitoral brasileiro data de 1965 e sobrevive totalmente alterado por legislações posteriores e por diversas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A tentativa de legislar sem o conhecimento básico, não só de tecnologias e plataformas, mas fundamentalmente do fenômeno sociocultural que a web representa, já provocou sucessivos equívocos. Chegamos ao fundo do poço em 2008, quando o TSE, com a resolução 22.718/08, capítulo IV, artigo 1º, estabeleceu: "A propaganda eleitoral na internet somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral". A internet é um hábito na vida dos brasileiros.

Para todas as 65 milhões de pessoas conectadas no Brasil -somos o quinto mercado de internet no mundo-, a possibilidade de reforma eleitoral para as eleições de 2010 se transforma em um momento que mistura esperança e ceticismo. É fato que o fenômeno da eleição de Barack Obama, nos EUA, trouxe a discussão sobre o uso da internet no processo eleitoral como prioridade para o Congresso, além de ter provocado comportamentos e atitudes por vezes engraçadas.

Nos últimos meses, por exemplo, os congressistas brasileiros correram como adolescentes para criar perfis no Twitter (microblog). Na esteira da adesão do Congresso às redes sociais, temos o debate sobre o projeto de lei complementar 141/ 09, aprovado na Câmara em 8/7 e modificado pelo Senado no último dia 2.

Pelo projeto, todo candidato está habilitado a solicitar apoio e pedir votos em qualquer site, portal, blog ou qualquer rede ou mídia social, tais como Orkut, Twitter, Flicker ou Facebook, o que é um avanço.

O impressionante é que o furor regulatório da Câmara dos Deputados fez com que o mesmo projeto que finalmente permitia a utilização ampla da rede proibisse, no seu artigo 57-C, a "propaganda paga" na internet e o apoio a candidatos por provedores de conteúdo (sic). Depois, no Senado, a questão da propaganda paga foi flexibilizada (menos mal), mas, ainda assim, limitada aos portais de informação (sic), ainda impondo diversas restrições.

Proibir a "propaganda paga" na internet, em qualquer condição, é um equivoco que só pode ser produzido pela falta de conhecimento ou pelo erro da simplificação. A internet é o único meio de comunicação que tem na essência da sua existência a interatividade. A interatividade da web é o que define o respeito à lógica do usuário.

Somente na internet o eleitor tem o controle pleno sobre o que quer ler, ver ou ouvir. Dessa forma, a propaganda na internet não se impõe sobre o eleitor nem o desrespeita. A propaganda na internet também não invade, não suja nem fere a estética de qualquer ambiente público ou privado e deveria ser estimulada, e não limitada por qualquer legislação que tenha a pretensão de ser contemporânea.

Como se isso não bastasse, em tese, todo o conteúdo da internet, produzido em grande parte por protagonistas anônimos, não aceita fronteiras, está interconectado e em todos os lugares. É a representação maior da ubiquidade, o que torna complexo e muito caro qualquer limitação e/ou controle. Em especial quando temos quase a metade dos domínios ".com.br" hospedados fora do país. Conforme diz Nilton Bonder no livro "A Alma Imoral", "a luta milenar entre a letra da lei e o espírito da lei é campo de batalha de duas percepções humanas plenamente legítimas".

Nesse sentido, entendo que pode até ser legítima a intenção do Congresso de restringir de alguma forma a propaganda paga na internet. O espírito da lei visa a isonomia, pretende evitar que haja disparidade em relação ao poder econômico.

A letra da lei impede que a plataforma de internet, representação máxima da democratização do ambiente de informação, seja usada adequadamente e em sua plenitude para qualquer ação de publicidade paga, criando exatamente o fenômeno da falta de isonomia quando comparamos a internet com qualquer outro meio de comunicação, como TV, rádio ou jornal, nos quais, de uma forma ou outra, a propaganda é permitida e paga.

Logo a internet, que se construiu neste país sem subsídios, sem proteção, sem concessões e, talvez até por isso, se estabeleceu como o quinto maior mercado do mundo. Aguardemos a deliberação final do Congresso Nacional e oremos para que deixem a internet em paz!

CESAR PAZ é presidente da Abradi (Associação Brasileira das Agências Digitais) e diretor-presidente da AG2 -Agência de Inteligência Digital S.A.

20/07/2009

Existe esperança para o conflito entre judeus e árabes?

Encontro-me em viagem de férias no Rio de Janeiro, oportunidade quando sempre tenho contato com a cultura judaica. E não existe como falar em judaísmo brasileiro contemporâneo sem citar o rabino escritor e palestrante Nilton Bonder, autor de 18 livros, um dos quais foi adaptado ao teatro, atualmente em cartaz na capital fluminense.

O ultimo titulo deste ícone da teologia brasileira chama-se Tirando os Sapatos: O caminho de Abraão, um caminho para o outro – Editora Rocco. Neste trabalho, o autor relata detalhes de uma viagem que realizou reproduzindo a trajetória do patriarca Abraão, tido como uma grande personagem de ambas as três religiões monoteístas, percorrido em companhia de um sheik islâmico e de um padre católico, alem de grande equipe de apoio, incluindo pesquisadores da Universidade de Harvard.

Muito alem de uma mera descrição turística dos locais visitados, Bonder detalha sua viagem interna, que ele percorreu reproduzindo a viagem interior do patriarca. Neste intento, compara as crenças aos sapatos que nos servem para aliviar os sofrimentos da caminhada. Reconhece a importância destes calcados, mas adverte sobre os riscos de nos recusar a retirá-los de vez em quando para experimentarmos a sensação do solo per se, e tentar compreender o ponto de vista do outro, não apenas de forma diplomática, mas permitindo que a verdade do outro seja reconhecida como real, pelo menos para o dono da sua crida verdade.

A proposta do escritor não consiste em questionar o valor dos sapatos, muito menos de dizer que precisamos usar os do outro. Antes disso, simplesmente mostrar que a fé não deve ser objeto de distanciamento entre as pessoas, da mesma forma que o sapato não deve tomar a importância do caminho a ser trilhado, sob o risco de nos transformarmos em idolatras de sapatos, esquecendo-nos do Deus que nos permite a graça de realizar a caminhada.

O convite divino a Moises para retirar os sapatos, por estar em terra santa e a inspiração do autor, que considera igualmente sagrada a consciência do outro. Admite em entrevista televisionada (disponível no Youtube), que o desafio seja gigantesco. Acredita que a maioria de nos sempre vai preferir acreditar que o solo tem a temperatura, a maciez e o formato que nossos próprios sapatos produziram ao longo dos anos em contato com nossos pés.

O resultado disso será a convicção intolerante de que estamos sempre corretos, e que os outros sempre errados. Que nossas crenças são sempre coerentes e que as do outro, equivocadas. Há quem diga que a solução do conflito entre judeus e árabes esteja no reconhecimento por Israel do Estado Palestino.

Em suas afirmativas, no entanto, Bonder sugere que o caminho da paz seja o mesmo que foi percorrido por Abraão (ou Ibrahim para os muçulmanos), pai de duas famílias, que viajou para dentro de si mesmo e construiu uma historia de aceitação, de exemplo, de fé e renuncia dos próprios planos em preferência aos projetos divinos de altruísmo e paz.

Renato Gama Medico e acadêmico de teologia

09/07/2009

Reeleição não faz bem à democracia nem à ética

POR MARCOS CINTRA

SEMPRE COMBATI a possibilidade de segundos mandatos consecutivos para os cargos Executivos. Se em outros países a reeleição funciona bem, o mesmo não se aplica ao Brasil. Nossas raízes históricas e culturais deveriam nos alertar contra qualquer tentativa de continuidade de poder.

O caudilhismo latino-americano é uma ameaça sempre presente em nossas instituições políticas, associativas e até recreativas. A tentação para mandatos sucessivos é irresistível, sobretudo em países como o Brasil, onde predomina o populismo e que conta com uma massa de eleitores com baixo nível de instrução e cultura participativa incipiente.

A aprovação do segundo mandato, que rompeu com uma das mais sólidas e duradouras tradições republicanas, foi um desserviço ao país. Foi aberta a porteira, e sabe-se que, "por onde passa um boi, passa a boiada". Agora começamos a pagar a conta dessa insensatez ao nos defrontarmos com a possibilidade de um terceiro mandato para Lula.

Não há justificativas para a continuidade de mandatos. Se o governo é bem-sucedido, que ele tenha prosseguimento com a eleição de candidatos governistas. É preciso evitar a personalização do sucesso, pois, em questões de governo, isso é sempre uma conquista coletiva, por maior que seja o carisma e a liderança do chefe.

No Brasil de Lula, isso é particularmente verdadeiro se verificarmos que o núcleo do sucesso dessa administração está exatamente na continuidade que foi dada às políticas econômicas e sociais responsáveis e consistentes iniciadas em gestões anteriores. Em vários aspectos pode ter havido aperfeiçoamentos e mudanças de ênfase, mas não houve milagres no Brasil dos últimos anos, somente o amadurecimento das ações públicas e da sociedade.

Um corolário da premissa de que um mandato é sempre suficiente é que a política não deve ser profissionalizada. Em outras palavras, quando políticos tornam-se profissionais, os riscos de que eles adquiram vícios ligados ao exercício do poder se tornam enormes. Uma pessoa que abandona sua atividade de formação e se torna um profissional na vida pública passa a depender das sucessivas reeleições para viver. Assim, torna-se capaz de tudo e de qualquer coisa para se eleger.

Só assim essas pessoas sobrevivem política e economicamente. Aí está a origem do populismo, das negociatas, dos acordos financeiros, do tráfico de influência, das nebulosas razões dos financiamentos de campanha e da corrupção. Não é possível negar que há indivíduos vocacionados para a atividade pública nem que existam políticos sérios e bem-intencionados.

Mas essas pessoas poderiam continuar sendo úteis à sociedade mesmo com o instituto do mandato único. Nada impede que participem de pleitos eleitorais sucessivos, mas em cargos diferentes, de forma a evitar a lassidão de princípios e de comportamentos que a permanência duradoura no poder quase sempre produz.

A reeleição não faz bem à democracia presidencialista. Nem a primeira e muito menos outras seguintes. Por essas razões é que defendo apenas um mandato. Mas não apenas no Executivo. Defendo o fim de reeleições em todos os Poderes, inclusive no Legislativo e no Judiciário. Mandatos vitalícios e parlamentares que permanecem interminavelmente em suas cadeiras legislativas precisam ser urgentemente questionados. Afinal, por que uma pessoa precisaria de décadas para trazer sua contribuição à sociedade?

O descalabro dos atos secretos no Senado, além da enxurrada de escândalos que abalaram a credibilidade do Congresso Nacional nos últimos anos, atestam essa urgente necessidade. Mandatos sucessivos fazem nossos parlamentares sentirem-se confortáveis demais em suas cadeiras, confiantes demais na impunidade que o poder ainda concede a detentores de cargos públicos no Brasil. De imediato, há que limitar as reeleições no Poder Legislativo e começar a pensar em acabar com a reeleição no Executivo.


MARCOS CINTRA 63, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é secretário municipal do Trabalho de São Paulo.

07/07/2009

Transparência levanta custo do parlamentar no BR

Esse montante coloca os congressistas do Brasil como os mais bem pagos de todo o grupo, excetuando-se os deputados dos Estados Unidos. Estes recebem cerca de três milhões de reais. Porém, quando se faz a correção pelo indicador da renda "per capita", os benefícios do congressista brasileiro ultrapassam os do deputado norte-americano e chegam ao topo da escala.

No Brasil, o deputado e o senador recebem mais do que um deputado alemão, que perfaz 860 mil reais, francês, na casa dos 770 mil, ou britânico, que recebe o equivalente a 760 mil reais. Quando se faz a correção pelo indicador da renda "per capita", os benefícios do congressista brasileiro ultrapassam os do deputado norte-americano e chegam ao topo da escala. Segundo a Transparência Brasil, os montantes a que um senador brasileiro tem direito representam 83 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) "per capita" do Brasil.

Isso quer dizer que, em média, um único senador se apropria de uma quantia equivalente à riqueza produzida por 83 brasileiros. No caso do deputado federal brasileiro, ele ganha 68 vezes o mesmo índice individual. O deputado norte-americano se apropria de um montante equivalente a 32 vezes o PIB "per capita" dos Estados Unidos. Roberto Guedes

30/06/2009

Segurança, um novo paradigma

Por AÉCIO NEVES

POUCOS PROBLEMAS desafiam tanto o Estado brasileiro quanto o avanço da violência e da criminalidade. Em Minas Gerais, enfrentamos -e estamos vencendo- um longo e penoso ciclo de agravamento da criminalidade violenta.Comparando 2008 com 2003, nos 853 municípios mineiros, os crimes violentos caíram 36%.

Na capital, a redução chegou a 52%, e, nos 34 municípios da região metropolitana, onde vivem quase 5 milhões de pessoas, ela foi de 51%. Nos três primeiros meses deste ano, os crimes permaneceram em queda, retrocedendo a indicadores de uma década atrás.Mais que uma meta, considero que atingimos um marco.

O caminho para o recuo desses indicadores para níveis registrados em 1999 não é circunstancial, mas resultado de um investimento contínuo, sustentado por um conjunto de políticas públicas reunidas em um modelo responsável, inovador e ousado.Avançamos como nunca ao integrar as ações das forças policiais, que passaram a trabalhar compartilhando informações, decisões, unidades físicas e operações de campo.

O modelo tem como inspiração o Compstat, uma estrutura de gerenciamento policial adotada na década de 90 pela Prefeitura de Nova York, assim como experiência similar da cidade de Bogotá, na Colômbia.

Foram criadas áreas integradas de segurança pública, que consolidam territorialmente a atuação conjunta das polícias Militar e Civil, tendo como vértices o foco na solução de problemas e a aproximação com as comunidades.

Na outra ponta, para combater o déficit crônico do sistema prisional, ampliamos em 373% o número de vagas, de 5.676 para 26.846, e investimos firmemente no modelo das Apacs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), em parceria com o Judiciário e as prefeituras.

Agora, ousamos mais uma vez mudar os paradigmas ao instalar a primeira parceria público-privada (PPP) penitenciária do Brasil, inspirada nos modelos em vigor no Chile e na Inglaterra.

Além de reduzir a necessidade de investimentos diretos do Tesouro -grande obstáculo enfrentado pelos governos estaduais-, o formato representará um forte e rápido incremento na oferta de vagas, o que finalmente nos permitirá enfrentar a questão da superlotação e da desumanização das nossas prisões.

Nesse modelo, além de construir e manter as edificações, o parceiro privado presta serviços necessários para a efetiva ressocialização dos presos, como cursos de ensino médio e fundamental, oficinas profissionalizantes e serviços de saúde.

Garante ainda condições de internação não degradantes, superando o estigma de presídios como meros depósitos de pessoas e autênticas escolas do crime.

A despesa mensal por preso permanecerá na mesma ordem de grandeza, e a remuneração do parceiro vincula-se ao cumprimento de metas estipuladas e objetivamente mensuráveis. Não privatizamos nem terceirizamos a gestão do setor. O Estado manterá integralmente suas responsabilidades constitucionais e, nas unidades prisionais, responderá pela direção, disciplina interna e segurança externa.

A presença sólida e permanente do Estado é exatamente a condição necessária para a institucionalização de parcerias com a sociedade civil no setor público.Em Minas, elas são muitas. A diminuição dos crimes violentos é resultado direto da ação policial, mas claramente também do êxito das iniciativas empreendidas com o Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG na elaboração de diagnósticos, das oficinas profissionalizantes com ONGs e Oscips, das associações de voluntários nas Apacs e, com empresas privadas, na oferta de vagas de trabalho para presidiários e ex-detentos.

A ampla reforma do sistema de defesa social em Minas atende e dá respostas a princípios e valores que estão na base do novo modelo de gestão do Estado -que, em Minas, chamamos "choque de gestão".No conjunto de novos paradigmas, um deles é fundamental: o compromisso com a eficiência e a qualidade do gasto, o que tem permitido ao Estado recuperar seu protagonismo nas políticas públicas.

Estou convencido de que o modelo de PPP penitenciária apresentado por Minas renovará a presença do Estado na área da segurança. É mais um exemplo de que existem alternativas possíveis para lidar com os desafios que se apresentam para o país.Neste caso, podemos estar construindo uma nova realidade para os verdadeiros infernos prisionais hoje existentes, com os quais não temos o direito de nos acostumar.

AÉCIO NEVES, 49, economista, é governador do Estado de Minas Gerais. Foi deputado federal pelo PMDB-MG de 1987-91 e pelo PSDB-MG 1991-95, 1995-99 e de 1999-2002 e presidente da Câmara dos Deputados 2001-2002.

29/06/2009

O Evangelho dos Abacaxis

Por Renato Gama

Chegamos à Guiné-Bissau para levar o cristianismo aos nativos. Depois de alguns anos longe de casa, começamos a sentir falta de certos hábitos do nosso país. De forma especial, alguns alimentos comuns em nossa terra de origem.

Certo dia, descobri numa missão vizinha algumas mudas de abacaxi. Comprei algumas dezenas e pedi a um nativo que as plantasse para nós. Depois de um longo período de espera, aquele solo que raras vezes produzira frutas começou a brotar seus primeiros pendões. Aguardamos com ansiedade o natal, ocasião quando estariam maduros, prontos para serem colhidos.

Qual não foi nossa surpresa quando descobrimos que os nativos roubavam nossas preciosidades antes delas amadurecerem. Revoltado, decidi fechar a clínica que distribuía medicamentos aos nativos, em retaliação ao seu desrespeito para conosco.

As crianças da aldeia começaram a ficar doentes, e quando eles vinham buscar remédios, respondíamos que não os daria, pois eles roubavam nossos abacaxis. Como o roubo persistia, decidimos também fechar o armazém onde vendíamos produtos que não havia na floresta. Pensava: Agora eles vão ter uma lição!

Os nativos começaram a voltar do vilarejo para a selva. Não havia mais motivo para estarem ali. Nem remédios, nem sal... Ficar na aldeia ou floresta era a mesma coisa. Assim, acabei por me achar ali, quase sozinho. Eu que tinha saído do meu país para falar de Cristo aos nativos, estava destruindo minha oportunidade de aproximação a eles devido ao amor a uma moita de abacaxis.Decidi mudar de atitude.

Fiz uma prece entregando a plantação a Deus. Parei de me importar com o que aconteceria a ela. Os nativos restantes começaram a achar estranho. Senhor, por que o senhor parou de reclamar do roubo dos abacaxis? O senhor virou cristão? Foi um golpe tremendo.

Percebi que meu apego à plantação me fazia viver uma prática diferente da teoria religiosa que eu apregoava. Como querer que os nativos se interessem pelo Cristo que eu anunciava, se nem eu mesmo seguia realmente seus ensinos? Respondi aos nativos.

A plantação não é mais minha. Eu a dei para Deus. Assustados, temendo roubar a Deus, eles deixaram de pegar as frutas, que começaram a apodrecer nos pés. Até que colhi alguns abacaxis, deixando outros para os nativos. Antes da sobremesa, agradeci a Deus dizendo: Senhor, obrigado por me permitir comer dos seus abacaxis.

A essência do cristianismo traz consigo o conceito de renúncia e santidade. Abrir mão do que Lhe era de direito foi a atitude de Cristo. Mesmo sendo santo e digno em todos os sentidos, Ele não se apegou ao direito de ser igual a Deus, mas assumiu os nossos pecados como se fossem Seus, para nos reconciliar com Deus, de quem estávamos afastados pelo pecado.

O que fazer diante do que foi exposto? Podemos realizar uma revisão de nossas práticas, buscando observar se vivemos o que cremos, numa prática coerente com nossa fé, ou permanecer agarrados ao Evangelho dos abacaxis. A decisão agora é de cada um de nós.

Renato Gama - Médico e acadêmico de teologia pela UNIGRAN
Artigo baseado na reflexão da Pra. Mirian Natume, proferida em 21 de junho de 2009.