POR CESAR PAZ
COMO É praxe nos anos anteriores a cada eleição, o Congresso brasileiro se apressa para definir as novas regras para as campanhas políticas visando o pleito de 2010. Regimentalmente, esse é um trabalho complexo, visto que o código eleitoral brasileiro data de 1965 e sobrevive totalmente alterado por legislações posteriores e por diversas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A tentativa de legislar sem o conhecimento básico, não só de tecnologias e plataformas, mas fundamentalmente do fenômeno sociocultural que a web representa, já provocou sucessivos equívocos. Chegamos ao fundo do poço em 2008, quando o TSE, com a resolução 22.718/08, capítulo IV, artigo 1º, estabeleceu: "A propaganda eleitoral na internet somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral". A internet é um hábito na vida dos brasileiros.
Para todas as 65 milhões de pessoas conectadas no Brasil -somos o quinto mercado de internet no mundo-, a possibilidade de reforma eleitoral para as eleições de 2010 se transforma em um momento que mistura esperança e ceticismo. É fato que o fenômeno da eleição de Barack Obama, nos EUA, trouxe a discussão sobre o uso da internet no processo eleitoral como prioridade para o Congresso, além de ter provocado comportamentos e atitudes por vezes engraçadas.
Nos últimos meses, por exemplo, os congressistas brasileiros correram como adolescentes para criar perfis no Twitter (microblog). Na esteira da adesão do Congresso às redes sociais, temos o debate sobre o projeto de lei complementar 141/ 09, aprovado na Câmara em 8/7 e modificado pelo Senado no último dia 2.
Pelo projeto, todo candidato está habilitado a solicitar apoio e pedir votos em qualquer site, portal, blog ou qualquer rede ou mídia social, tais como Orkut, Twitter, Flicker ou Facebook, o que é um avanço.
O impressionante é que o furor regulatório da Câmara dos Deputados fez com que o mesmo projeto que finalmente permitia a utilização ampla da rede proibisse, no seu artigo 57-C, a "propaganda paga" na internet e o apoio a candidatos por provedores de conteúdo (sic). Depois, no Senado, a questão da propaganda paga foi flexibilizada (menos mal), mas, ainda assim, limitada aos portais de informação (sic), ainda impondo diversas restrições.
Proibir a "propaganda paga" na internet, em qualquer condição, é um equivoco que só pode ser produzido pela falta de conhecimento ou pelo erro da simplificação. A internet é o único meio de comunicação que tem na essência da sua existência a interatividade. A interatividade da web é o que define o respeito à lógica do usuário.
Somente na internet o eleitor tem o controle pleno sobre o que quer ler, ver ou ouvir. Dessa forma, a propaganda na internet não se impõe sobre o eleitor nem o desrespeita. A propaganda na internet também não invade, não suja nem fere a estética de qualquer ambiente público ou privado e deveria ser estimulada, e não limitada por qualquer legislação que tenha a pretensão de ser contemporânea.
Como se isso não bastasse, em tese, todo o conteúdo da internet, produzido em grande parte por protagonistas anônimos, não aceita fronteiras, está interconectado e em todos os lugares. É a representação maior da ubiquidade, o que torna complexo e muito caro qualquer limitação e/ou controle. Em especial quando temos quase a metade dos domínios ".com.br" hospedados fora do país. Conforme diz Nilton Bonder no livro "A Alma Imoral", "a luta milenar entre a letra da lei e o espírito da lei é campo de batalha de duas percepções humanas plenamente legítimas".
Nesse sentido, entendo que pode até ser legítima a intenção do Congresso de restringir de alguma forma a propaganda paga na internet. O espírito da lei visa a isonomia, pretende evitar que haja disparidade em relação ao poder econômico.
A letra da lei impede que a plataforma de internet, representação máxima da democratização do ambiente de informação, seja usada adequadamente e em sua plenitude para qualquer ação de publicidade paga, criando exatamente o fenômeno da falta de isonomia quando comparamos a internet com qualquer outro meio de comunicação, como TV, rádio ou jornal, nos quais, de uma forma ou outra, a propaganda é permitida e paga.
Logo a internet, que se construiu neste país sem subsídios, sem proteção, sem concessões e, talvez até por isso, se estabeleceu como o quinto maior mercado do mundo. Aguardemos a deliberação final do Congresso Nacional e oremos para que deixem a internet em paz!
CESAR PAZ é presidente da Abradi (Associação Brasileira das Agências Digitais) e diretor-presidente da AG2 -Agência de Inteligência Digital S.A.