Robério Pereira Barreto*
As normas são sempre abstrações, rígidas fórmulas provisórias que não podem aspirar a incluir as ilimitadas possibilidades do ser.
Ortega y Gasset¨
Introdução
Este texto articula-se em torno da temática: desvios da norma na escrita em mídias de rua: cartazes, anúncios e placas que promovem à comunicação social, econômica e cultural dos usuários e produtores de mídias populares.
As normas são sempre abstrações, rígidas fórmulas provisórias que não podem aspirar a incluir as ilimitadas possibilidades do ser.
Ortega y Gasset¨
Introdução
Este texto articula-se em torno da temática: desvios da norma na escrita em mídias de rua: cartazes, anúncios e placas que promovem à comunicação social, econômica e cultural dos usuários e produtores de mídias populares.
Embora neste material não se respeite os ditames da gramática normativa, há intencionalidade comunicativa, de modo que, os cidadãos conseguem realizar diálogos interagindo significativamente no e com mundo. A partir desta compreensão inicia-se o diálogo entre a Análise do discurso (AD) e a teoria bakhtiniana da carnavalização[1], a qual é empregada nos textos publicitários expostos em placas e letreiros nas vias públicas das periferias bem como em sítios eletrônicos especializados em receber e armazenar tal produção discursiva. Com efeito, recorrer-se-á às mensagens postadas no sitio http://www.placariduculas.com.br/ as quais serão analisadas de acordo com a cena enunciativa proposta pelo anúncio, levando-se em conta que tais discursos não apresentam autoria definida, por isso, atribuir-se-á tal domínio ao espaço publico onde estão armazenadas.
Antes, porém, faz-se necessário afirmar que, a teoria conduzirá a uma metodologia, portanto, a priori travar-se-á um diálogo com os teóricos do assunto na tentativa de melhor clarificar conceitos e afirmações sobre a carnavalização da linguagem e mídias escritas para, a posteriori se iniciar a análise sistemática do corpus que, neste caso se trata da linguagem usada na mídia de rua, a qual se caracteriza como contra ponto da linguagem formal. Isto é, na mídia de rua é representada pela a liberdade de ação e de linguagem do homem com o mundo e consigo mesmo, a cosmovisão carnavalesca expõe-se considerando categorias e particularidades do gênero cômico-sério, tais como: o livre contato familiar entre os homens, afirmando que essa proximidade, desconsidera quaisquer barreiras financeiras ou sociais, antes intransponíveis; a familiarização, ou seja, a livre relação familiar, que permite a união de valores antagônicos, combinando-os: o sagrado com o profano, o grandioso com o insignificante; a aproximação de heróis, mitos, personagens históricos da nossa realidade: há em nosso convívio diário, uma aproximação familiar com seres, antes inatingíveis; não se baseia em lendas e nem se consagra através delas, mas sim na fantasia livre e, na maior parte dos casos, o tratamento a lendas e mitos é crítico.
Desse modo, retomar-se-ão algumas considerações a respeito da gênese da linguagem, tendo, pois, como referência as correntes judaico-cristãs as quais tomaram a produção da língua (gem)[2] sob os princípios da ordem do discursos religiosos, e a greco-latina, a quem a civilização ocidental deve os primeiros atos racionais tanto na literatura quanto na ciência. Com isso, o caminho percorrido por este texto é, íngreme e, portanto, ocorrerão avanços e digressões, cabendo ao leitor acompanhar cada passo que se dará a frente, bem como aqueles que ficarão em suspensão ao longo da caminhada.
O português do povo[3] ocupará neste trabalho lugar de conflito para demonstrar que a forma como a escola oferece a língua portuguesa ao estudante, na atualidade, é inócua e impraticável no cotidiano, haja vista a prática das mídias escrita nas ruas: faixa, letreiros, cartazes na qual há consideráveis desvios da norma padrão, porém tal produção lingüística não deixa de ser parte do idioma nacional.
2. O idioma do povo no cotidiano
Sabe-se que os babilônios legaram aos ocidentais o alfabeto e boa parte das terminologias que descreve os mecanismos das línguas. Para Sócrates (470/469-369 a. C) a palavra é ação, faz agir, dirigir, porém quando não é bem usado engana. Por isso, diz-se que Zeus, o deus soberano do Olimpo, falava e agia eficazmente. Assim sendo, a língua (gem) serve à persuasão do homem, ser político por natureza.
Para Aristóteles (384-322 a.C) as palavras são construções dos homens e não uma imitação (mímesis) do objeto nomeado. Nesse sentido, o idioma usado pelo homem do povo em seu cotidiano vai ao encontro de suas necessidades comunicativas. Dessa maneira, segundo Leite (2004, p.17), Rousseau tratou dessa questão no Ensaio sobre a origem das línguas (texto póstumo) afirmando que:
A motivação para a linguagem humana vem da necessidade de comunicação, uma vez que os homens constituem uma sociedade. E o homem pode comunicar-se pelo movimento corporal (o gesto) ou pela vocalização (a palavra). É a linguagem como convenção que distingue o homem dos demais animais [...] A comunicação pode até se dar sem palavras. O silêncio é, às vezes, mais eloqüente do que a argumentação bem engendrada. (LEITE, 2004, p.17).
Embora seja complexa a concepção de Rousseau sobre a linguagem, tira-se dela a idéia de que à medida que o povo evolui em suas maneiras de se relacionar na vida social, política, cultural e econômica cria instrumentos próprios de comunicação, privilegiando, às vezes, a oralização da língua (gem) mesmo em espaço de escrita. (ver-se tal questão a seguir). Yonne Leite (2004) interpretando o pensamento de Rousseau diz que depois que o homem transcendeu os limites da família no que se refere às relações sociais, construiu para si e os demais, leis lingüísticas as quais foram aperfeiçoadas com o uso contextualizado. Por isso ela nos informa que:
O homem, porém, possui um privilégio: o de ter em sua própria essência a possibilidade, pronta a se realizar, de sair do estado de natureza e desenvolver línguas de convenção ou línguas adquiridas em sociedade. As primeiras palavras livres do condicionamento das necessidades físicas, portanto, foram motivadas exclusivamente pelo sentimento e pelas necessidades morais. (LEITE, 2004, p.19).
A linguagem como se sabe é o meio pelo qual o ser humano consegue expressar-se, defender suas idéias, enfim, interagir com o outro. Por esse motivo, cabe à escola proporcionar o maior número de situações em que o aprendiz a utilize significativamente, garantindo-lhe os conhecimentos necessários para que possa participar plenamente da sociedade.
Para Travaglia a linguagem “é um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico”. (2006, p. 27). Também de acordo com Chauí “a linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento, ela nos envolve e nos habita, assim como a envolvemos e a habitamos”. (2002, p. 147). Assim sendo, é através das atividades da linguagem que o homem se constitui sujeito, só por intermédio delas é que tem condições de refletir sobre si mesmo.
Em relação à variação lingüística, a única aceita como correta no espaço escolar até a década de 70, era a norma culta. Sobretudo, desconsiderava-se a linguagem própria de cada indivíduo, oriunda do grupo social ao qual ele pertencia e enfatizava a questão do preconceito no que se refere a considerar uma variação ‘certa’ e outra ‘errada’, uma ‘melhor’ e outra ‘pior’. Nota-se que essa maneira de encarar o ensino da língua materna levava o aprendiz a ficar traumatizado psicologicamente, além de se sentir rebaixado por não saber falar ‘certo’. Percebe-se, pois, que nestes contextos os estudos da sociolingüística trouxeram enormes contribuições, permitindo repensar o lugar das variantes lingüísticas no ensino da língua e, assim, combater os preconceitos contra as diversas modalidades de expressão oral dos alunos, abrindo um espaço para a valorização das diferenças, além de reformular a noção de erro, o que é muito importante.
A evolução da língua (gem) se quer vê-la a partir da racionalidade de suas estruturas, basta, portanto, compreender o que propôs Rousseau “língua, sociedade e desigualdade são aquisições tardias e estão estreitamente ligadas.” Nesse sentido, o português brasileiro “a última flor do Lácio, inculta e bela”, está carrega de oralização, tornando-se, às vezes, onomatopaica. O que se ver nas ruas, portanto, é uma produção lingüística heterogênea que possui uma séria de sinônimos, palavras abstratas, aumentativos e diminutivos, nos quais sobressaem irregularidades e anomalias típicas da comunicação inter-humana.
De acordo com Leite (2004) este processo leva ao reconhecimento de que na língua(gem) há elevado grau de diversidade, esta, pois é resultante das migrações, em época diferente, de população que outrora habitavam um mesmo território.
“E há línguas que têm, hoje, apenas uns poucos falantes, como, no Brasil [...] A linguagem humana, em seus componentes físicos e mentais, não é igual a nenhum outro tipo de linguagem animal conhecida, embora diversas espécies apresentem sistemas de comunicação bastante desenvolvidos, (Leite, 2004, p. 38).
O desenvolvimento da linguagem aconteceu ao que tudo indica, no momento em que as relações sociais entre os homens se tornaram mais complexas, sendo impossível, separar o indivíduo com suas capacidades físicas e biológicas de sua relação com o contexto social do qual faz parte. Essa nova abordagem procura compreender o surgimento da linguagem em função da vida em sociedade. (Leite, 2004, p. 40).
3. Enunciando o contexto na mídia de rua
As mensagens propostas pelos enunciadores que produzem, a seu modo, a comunicação na mídia de rua com intuito de marcar processos locutivos que, direto ou indiretamente represente os contextos nos quais se justapõem seqüências de sons e imagens. Para Maingueneau (2005, p. 19) “cada enunciado é portador de um sentido estável, a saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. Esse mesmo sentido seria decifrado por um receptor que dispõe do mesmo código, que fala a mesma língua.” Assim sendo, pode-se inferir que, as mensagens, fruto desse procedimento discursivo, são, de algum modo, o reflexo das educações circulantes nos espaços sociais. Assim sendo, e à maneira de Maingueneau, a atividade lingüística recorrente neste continuum serve como determinante de uma realidade sociocultural, isto é, as peças publicitárias representam a emergência da comunicação do enunciador.
A produção discursiva da mídia de rua lança mão de um português “particular”, isto é, nela se encontram elementos assimétricos da língua cotidiana a qual pede emergência no ato comunicativa; fato que impede ao enunciador reflexão sobre o uso adequado da língua. Portanto, produzir e interpretar estes enunciados exige flexibilidade, por que a situação em que são realizados determinam o processo lingüístico. Ainda segundo Maingueneau (2005, p. 19-20), a compreensão de “um enunciado não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é mobilizar saberes muito diversos, fazer hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não é um dado preestabelecido e estável.”
Conforme discurso da figura 1, o enunciador oraliza a escrita e, portanto, desvia o enunciado do paradigma gramatical, grafando com “x” o verbo “fechar”; fexe o portão” e o verbo “fazer” com “s”: fas favor. Diz-se, portanto que neste exemplo evidencia-se a oralidade em detrimento da escrita. Com efeito, falar altera a relação entre os movimentos inspiratórios e suspende-se o início da fase do movimento inspiratório [...] o condicionamento da linguagem ao contexto cultural e à pragmática comunicativa, enfim, aos fatores que condicionam a execução, como limitação de memória, tempo e estratégias de processamento, acessibilidade ao contexto cultural compartilhado” (Leite, 2004, p. 48).
Além destas questões fonéticas e gramaticais, ficam subentendidos o nível sociocultural produtor do discurso, uma vez que o contexto em que se enuncia a sentença é desprovido de quaisquer indícios que levem o interprete a inferir que se trata de um escrevedor competente.
A linguagem humana possui algo qualitativamente diferente, sobretudo no que diz respeito a sua rica e infinita capacidade de criação de sentenças. [...] a faculdade da linguagem é uma adaptação extremamente complexa, que foi sujeita às leis da seleção natural na história evolutiva humana recente, servindo à função de comunicação com extrema efetividade. (Leite, 2004, p. 43).
Se se quer uma realização lingüística de acordo com as sentenças propostas pela norma culta, levar-se-á em consideração o que Leite (2004, p.45) asserta: “a aquisição da linguagem é natural e se manifesta graças à exposição a dados lingüísticos suficientes num período determinado da maturação do indivíduo.” Logo, percebe-se que o enunciador promotor da mensagem citada na figura 1 não cumpriu tal ciclo, podendo até ter sido exposto a elementos lingüísticos, contudo, não teve maturação suficiente para tal, visto que sua produção é baseada apenas em empirismo de fala. Dizendo de outro modo, tal enunciado está sob a égide da fala, isto é, da maneira que se produz o som se escreveu.
Considerações (quase finais)
Face à dimensão da problemática da escrita da usada na mídia de rua, infere-se que, as escolas não estão dando conta de formar usuários competentes para o uso sistemático da língua. Com isso, acredita-se que há duas línguas sendo usada pela comunidade: a) a língua da escola é ofertada sob a perspectiva da consolidação da norma padrão, reservada àqueles se pretende atender as necessidades da elite; b) uma língua do homem do povo o qual produz enunciados cuja significação vai além da ordem lingüística, isto é, quando o se produz discurso nas mídias de rua, prima-se pela comunicação imediata. Ou seja, o enunciador não se detém em normas, mas sim na emergência de enunciar um acontecimento.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12256: Apresentação de originais. Rio de Janeiro: ABNT, 1992.
_____________NBR 6023: Informação e Documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.
_____________ NBR 6028. Apresentação de resumo. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.
BAKHTIN, Mikail. Problemas da poética de Dostooiévski. 2. ed. Rio de Janeiro: 1997.
_________ Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2000.
_________ Cultura popular na idade média. São Paulo: Hucitec, 2000.
FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Lingüística textual: introdução. São Paulo: Cortez, 1983.
ILARI, Rodolfo. A lingüística e o ensino da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1989.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino da gramática. São Paulo: Cortez, 2006.
WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lingüística. São Paulo: Parábola editorial, 2002.
* Professor de Lingüística e Linguagens do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias da UNEB, Câmpus XVI, Irecê – BA, professor formador do PROESP e REDE UNEB -2000, poeta, escritor e administrador do diário eletrônico: http://www.poetadasolidao.blogspot.com/ e aluno especial da disciplina Linguagens e Mídias do Programa de Mestrado Estudos da Linguagem da Uneb, Câmpus I, Salvador- BA, ministrada pela professora Doutora Lícia Soares de Souza.
¨ Apud Leite (1999:38).
[1] Mikhail Bakhtin, filósofo russo, estudioso de literatura e da linguagem. Criador da teoria da Carnavalização. A Teoria da Carnavalização é composta por quatro elementos: a inversão, excentricidade, familiarização e profanação. Sendo a principal delas a Profanação. Assim, as restrições, leis e proibições, que sustentam o sistema e a ordem da vida comum, revogam-se durante o carnaval. “revogam-se, antes de tudo, o sistema hierárquico de todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta etc”. Então, adianta-se, portanto, que na mídia popular veiculada nas ruas e, principalmente, nos espaços de circulação marginal a teoria bakhtiniana ora apresentada é visivelmente acentuada.
[2] Para evitar mal entendidos grafo termo língua (gem) dessa maneira, utilizando-se da explicação da nota de rodapé do livro: História concisa da lingüística, de Bárbara Weedwood (2002, p. 9), na qual ela explica o motivo de tal uso: “Como o inglês só dispõe da palavra language para se referir tanto à linguagem (capacidade humana de se comunicar por meio da fala e da escrita) quanto à língua (sistema lingüístico particular, idioma), assim sendo, usar-se-á tal expressão quando se estiver referindo tanto à língua quanto à linguagem.
[3] Entenda-se como português aquela língua (gem) produzida pelo homem comum que, infelizmente não teve acesso à aprendizagem formal, contudo, aprendeu à duras penas os fundamentos do idioma para se comunicar e produzir conforme suas limitações sociolingüística.
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