04/01/2008

Sobre o jeito sueco de educar





Tenho a impressão de que já falei disso antes, mas se vê que é uma coisa que me incomoda muito, já que tendo a voltar ao assunto a cada oportunidade...


Leio nos jornais: escândalo em torno da seleção dos melhores jogadores, num grupo de crianças de 9 anos, para que a escolinha de futebol invista neles como futuros craques.

Explico melhor: uma escola ou clube seleciona, entre os aspirantes a jogadores de futebol, aqueles alunos mais promissores e, de certa forma, descarta os demais, ao decidir não investir tempo e recursos nesses últimos.

O assunto vira manchete nos dois principais jornais de Estocolmo. E as redações sofrem uma avalanche de mensagens: "escândalo", diz uma, "inaceitável", diz outra, enquanto outras tantas qualificam a atitude das escolas de futebol como "insulto" e "violência".

Pois é... uma das coisas que tomou mais tempo e energia desta recém-chegada mãe, lá pelos idos de 1999/2000, foi tentar entender o jeito sueco de educar as crianças. E confesso que, depois de oito anos, aprendi muito, mas continuo sem aceitar os valores essenciais que servem de base para a educação infantil aqui.

O ponto principal é que não se deve pressionar nem reprimir as crianças. O respeito a elas implica que um menino de cinco anos pode chorar, gritar e espernear durante a hora e meia de duração das compras de supermercado, incomodando todo mundo em volta (ou seremos só nós, os estrangeiros, que nos sentimos incomodados?), sem que o pai ou a mãe sequer levante a voz para fazê-lo calar.

Zangar-se com um filho ou com um aluno é muito mal visto aqui. Perder o controle, então, é impensável! Não sei como eles conseguem se controlar tanto!

Nas escolas, as crianças recebem suas primeiras notas quando estão na oitava série, ou seja, a partir dos quatorze anos de idade. Antes disso, os pais mal conseguem saber se seus filhos pelo menos têm um rendimento escolar na média da turma. Dar notas aos testes das crianças é considerado daninho à sua saúde mental. Uma medida recente, introduzindo o boletim de notas a partir da sexta série, ainda sofre resistências.

Outro assunto interessante se refere à presença de celulares e mp3 nas salas de aula. O professor pode, com educação e delicadeza, "solicitar" ao aluno que mantenha os aparelhinhos desligados... mas não pode requisitá-los em caso de desobediência. É um desrespeito à individualidade, uma invasão da vida privada e dos direitos do aluno "confiscar" um brinquedo, ainda que esse esteja perturbando o andamento da lição.

Nunca me esqueço do portão permanentemente enguiçado no jardim infantil que meu filho mais novo freqüentava. Todos os dias eu observava o estado do portão. Um dia estava bem, no outro não funcionava. Daí a alguns dias estava consertado outra vez, para um dia depois enguiçar novamente.

Perguntei então a uma das professoras sobre a razão do enguiço permanente e recebi a seguinte resposta: os meninos brincam de balanço no portão e ele se quebra.

Então perguntei se os professores não podiam falar com os alunos e proibir o uso do portão como gangorra. Resposta: já pedimos muitas vezes, mas eles não nos ouvem! Idade dos alunos? Entre 3 e 5 anos!

É claro que também passei pelo vexame típico por que passam muitos imigrantes: ser chamada à escola para receber um sermão sobre os direitos das crianças e as sanções legais para pais que maltratam os filhos. Não preciso dizer que explodir e dar uma bronca aqui são considerados "maltrato psicológico" e que uma palmada pode levar os pais à cadeia.

Só que, no meu caso, não se tratou de explosão nem muito menos de palmada.

Meu filho chegou à escola repetindo uma frase de um personagem de um típico vídeo infantil sueco que ele via todos os dias. "Karlsson no telhado" dizia, chantageando as pessoas a sua volta: "eu sou a criança mais dodói em todo o mundo, preciso urgente de remédio!". O remédio do caso eram balinhas e chocolates...

Ao repetir a frase na escola, em perfeito sueco, meu filho provocou um chamado oficial para que eu me apresentasse imediatamente. Levei algumas semanas para conseguir convencer as professoras da minha inocência. Eu não falava sueco e não entendia o filme; eu não batia no meu filho; e frente à tradução, tampouco soube explicar porque ele seria "a criança mais doente da face da terra". Coitadinho dele "!"

O mistério resolveu-se quando outro professor lembrou-se dos diálogos do personagem de Astrid Lindgren... Finalmente, não fui denunciada ao serviço social e livrei-me da ameaça das grades!

A sensação que tenho é que educar, aqui, significa evitar a qualquer custo que as crianças se zanguem, se frustrem ou sofram... E as crianças nunca mentem nem fantasiam "!"

O fato é que, levada ao extremo, a coisa significa que alguns inocentes já foram prestar explicações à polícia, sob acusação de abuso sexual, violência contra menores e outras coisas horríveis...

Não digo que esses problemas não existem. Mas os excessos, com a boa intenção de proteger os direitos das crianças, produzem pais medrosos e inseguros, sem autoridade e sem capacidade para efetivamente educar seus filhos. Pais que, na falta de um manual, acham mais fácil não assumir sua responsabilidade e deixam tudo ao "Deus dará"...

E o resultado... bem, o resultado a gente vê na adolescência e nas dificuldades das crianças para se transformarem em adultos harmônicos...

Qualquer semelhança... não é mera coincidência!

Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há oito anos em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental

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