15/01/2008

Figurações da escrita na escola de tradição oral

Por Robério Barreto

O texto que se desenrola nas linhas abaixo é relato de uma experiência à qual venho me dedicando como pesquisador, na tentativa de conscientizar os educadores das escolas públicas municipais da cidade de São Gabriel – BA, de que eles só terão êxito em sua ação alfabetizadora – ensino de leitura e escrita – quando forem modelos de leitores e escritores para seus estudantes, isto é, apresentem aos alunos seu gosto pela leitura e escrita.

Tal discussão teve início em março de 2007, momento em que comecei a disciplina de Ensino de Língua Portuguesa I, no programa de formação de professores da Universidade da Bahia, conhecido como Rede-Uneb 2000, no qual o município atende por parceria com a universidade, 82 profissionais da educação básica – professores-alunos – os quais atuam nas séries iniciais, tanto na sede como no interior da comuna.

Logo, nas primeiras aulas foram detectados os problemas enfrentados pelos professores-estudantes. Estes não tinham o hábito da leitura e tampouco da escrita. A partir deste diagnóstico mudou-se a metodologia das aulas, isto é, propôs-se aos cursistas que colocassem em discussão suas principais angústias em relação à sua prática de leitura e escrita na sala de aula, bem como relatasse o grau de dificuldade enfrentado por eles e seus estudantes ante as atividades de produção textual dentro e fora da sala de aula.

Em uníssono disseram: gostaríamos de ler e escrever mais, porém encontremos algumas dificuldades não há espaço público nem livros suficientes na biblioteca, bem como nossa renda não nos permite nos dar o luxo de comprar livros, isto refletindo no entendimento de certos tipos de textos, principalmente os que são usados na faculdade... ler até nós lemos... entretanto, quando é para nos expressar via texto, sentimos enormes dificuldades na organização das idéias.

É um verdadeiro Deus nos acuda! Agora se for para falar sobre o assunto ai sim a coisa vai longe. O pior é que isso também acontece com nossos alunos, sabia? eles contam as histórias que vêem na televisão com detalhes. Todavia, não articulam corretamente as sentenças no texto. (depoimento oral de professoras do curso, às quais lhes atribui codinome de Amélias).

Neste teatro dos paradoxos estão questões de natureza política, pedagógica e social, uma vez que os profissionais alegam a falta de acesso aos materiais básicos de leitura, livros especializado para eles, bem como literatura infanto-juvenil para todos os estudantes – é interessante lembrar que nas escolas neste município não têm biblioteca – ficando os profissionais e alunos reféns do livro didático, talvez por isso não vejam grandes perspectivas para mudar este quadro.

Por outro lado, todos têm acesso à mídia eletrônica – televisão e rádio – fator que eleva ao grau máximo, a oralidade em sala de aula. Ou seja, professores-alunos da Rede-Uneb 2000 têm parte de sua cultura geral fornecida pela televisão e o rádio, lembrando, que ainda há neste espaço os elementos da cultura popular os quais são transmitidos por meio da linguagem oral. Isto, certamente, tem influenciado a prática docente destes profissionais na sala de aula e os reflexos disto, é pouco interesse na busca por informação escrita, bem como a inferior qualidade das produções escritas dos aprendizes das séries iniciais.

Desvelados os problemas que impossibilitam à escrita como atividade de cidadania e meio de expressão dos professores, se direcionou as ações para a leitura e produção de material escrito em sala de aula: produção de jornal, destacando os vários gêneros textuais presente neste tipo de veículo: artigo de opinião, classificados, horóscopo, editoriais de moda, política e esporte. Em seguida, mostrou-se aos cursistas a importância de se retextualizar os discursos orais dos alunos. Para tanto, o docente deve se posicionar como mediador e, conseqüentemente, escriba desses relatos, valorizando a fala e cultura de cada participante.

Dessa maneira é possível levar o educando para o universo da escrita, visto que cada um tem sua participação reconhecida durante e depois do processo de criação do texto.

No que se refere à melhora da produção escrita dos professores-alunos, institui-se na disciplina, Ensino de Língua portuguesa I que todos deveriam produzir textos científicos: resenha, artigo e resumo e também texto livres: artigo de opinião, carta do leitor e crônicas. Já no que se refere à leitura, está ficou restrita ao material especializado, isto é, textos e livros usados pela disciplina.

Tal restrição se deu conforme mencionado acima, em virtude da falta de material especializado na biblioteca, bem como devido às dificuldades enfrentadas por estes profissionais – a maioria tem dupla jornada de trabalho, além disso, uma parcela desse contingente morra em povoados distantes da sede. – Associado a estes fatores está à carga horária da disciplina. São apenas sessenta horas para, literalmente, formar leitores-escritores para que eles ressignifiquem suas práticas enquanto alfabetizadores.

Não obstante às problemáticas externas, a nova organização metodológica tem produzido resultados pequenos, todavia positivos; os professores-alunos têm reconhecido suas limitações, – primeiro passo a aprendizagem – e paulatinamente as corrigem através de novos materiais e metodologias a serem empregados nos seus estudos e também nas salas de aula onde atuam como alfabetizadores.

Professor, nossa! Fiz uma atividade na minha sala de aula que foi show. Levei revistas e jornais velhos e pedi aos meus alunos da 3ª série que encontrassem naqueles objetos, palavras escritas com “sc”, “ss”, “ç”e as recortassem. Naquele momento percebi como eles se envolveram de forma alegre, pareciam desafiados... outro dia, li para eles uma história e solicitei que a refizessem à maneira, isto é, eles podiam escreve ou desenhar. Nossa, sai cada coisa bacana. (depoimento oral de professoras do curso, às quais lhes atribui codinome de Amélias).

Tem-se aí, portanto, o relato de uma experiência pequena, mas significativa no se refere ao processo de construção de autonomia do aluno, tanto no plano da leitura quanto da escrita. São tantos os relatos positivos destes profissionais que encheriam páginas. Contudo, fiquemos apenas nestes os quais podem servir como ponto de reflexão para os todos que virem a ler este texto.



Robério Pereira Barreto - Especialista, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Uneb

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