03/06/2009

O espírito antidemocrático da "reforma política"

Existem várias explicações, que se cruzam e se fundem ou se excluem, mas de alguma forma esclarecem o “buraco negro” da questão. Talvez tudo esteja concentrado no jogo de interesses conflitantes, acima das aspirações do país e do seu povo.

Temos um modelo político que preserva a prosperidade de clãs em vez de apostar na solidez partidária; que inibe a renovação de quadros; incapaz de ser igual para todos e pródigo em alimentar a corrupção. As propostas mais destacadas são uma tentativa de golpe contra a frágil democracia nacional.

O argumento para sustentá-las chega a ser um leque de sofismas, todos assentados na tese de que nos países mais avançados “é assim que funciona”. Balela. O discurso encobre a má-fé de seus principais defensores.

Eles não querem melhorar a legislação e, sim, torná-la ainda mais fechada à manipulação contra a vanguarda, a modernidade e o respeito à soberania popular. Vejamos só algumas das pérolas em evidência:

1 – Financiamento público de campanha
Na realidade o financiamento já existe. Temos um regime misto, em que o erário entra de várias formas na conta final de campanhas e pré-campanhas. É o caso do “Fundo Partidário” que atende aos partidos; a propaganda eleitoral “gratuita” que de gratuita não tem nada.

Coloque nesse rebolo o que parlamentares e executivos derramam na propaganda personalista, tudo coberto pelo cofre estatal. De um programa de rádio e impressos (jornais, revistas etc).

Com o financiamento público no modelo pretendido por essa corriola, não desaparecerá a doação das grandes empresas. Entrarão definitivamente como Caixa 2, 3 etc. Levam a pior os pequenos partidos, que não interessam ao grande capital financiador.

2 – Lista fechada - Trata-se de outra bandidagem.
Num passado remoto, o político era conhecido por ser vinculado a um partido. Exemplo: “Aluízio Alves do MDB”. Nos últimos tempos a gente houve diferente: “O PMDB de Henrique Alves”. A proposta de dar ao comando partidário a prerrogativa de selecionar seus candidatos em “fila indiana”, para o eleitor votar numa chapa única a vereador, deputado estadual e federal, apenas vai privilegiar quem o “dono” da sigla quiser. Seu filho, irmão, sua concubina etc. E lógico que apareceriam casos de compra de vaga por quem pudesse e desejasse.

3 – Cláusula de barreira
É a tentativa de limitar ainda mais a vida "útil" dos pequenos partidos, como se eles fossem simples legendas de aluguel. O argumento é que só servem para negociatas em tempos eleitorais, daí a exigência que atinjam um número “xis” de votos. Ocorre que a compra dos pequenos é normalmente feita pelos grandes e não o inverso.

Só há corrupção com a existência de três ingredientes: o corruptor, o corrupto e o fato concreto em si. Nunca ouvi falar que o PHS tivesse “alugado” o DEM. Todos têm direito à organização partidária, uma conquista político e civil amparada na Constituição. Em países mais sólidos em termos democráticos, partidos existem às dezenas. Assim é na França, Estados Unidos, Itália etc.

4 – Voto distrital
Essa é outra armadilha para favorecimento dos gigantes, oligarquias e dinastias. Em vez de um candidato deputado federal ter que catar votos em todo o RN, o seu espaço geopolítico ficaria limitado à área menor. Na prática ele deixaria de despejar R$ 5 milhões (estimativa mínima) em 167 municípios, para a concentração de recursos ficar em 20, por exemplo. Mais fácil de triturar adversários emergentes.

5 – Fidelidade partidária
Querem criar uma “janela” para a infidelidade. A brecha é a oficialização da quebra de compromisso com partido e o eleitor. A Justiça Eleitoral tinha decidido sobre a verticalização, mas o Congresso tratou de derrubá-la para ele mesmo continuar desmoralizando a vida partidária nativa.

6 - Fim de suplentes ao Senado
Corretíssimo. O atual formato é um absurdo. O candidato muitas vezes tem como suplente o filho, pai, sobrinho ou alguém para lhe bancar a campanha em troca de certos favores. O ideal é que o segundo colocado assuma, em caso de impedimento do eleito.

7 - Fim das coligações proporcionais
Acertado - Cada partido deve revelar sua própria força de atração de votos, capacidade de pulverização de sua mensagem e fôlego para outros pleitos. Dificultaria mais os "acertos" que desaguam no poder, normalmente todo fatiado em negociatas. Deve ser mantido o voto proporcional, para valorizar a organização partidária e não nomes de forma individual.

Obs: Seria interessante também, que eleitos a cargos proporcionais fossem impedidos de assumir cargos de confiança no Executivo. Afinal de contas, cada um é eleito para ser vereador, deputado estadual ou federal e não secretário, ministro etc. Se houvesse a tal opção, então deveria renunciar e não se licenciar.

´Obs 2: Já o senador que quisesse ser candidato a prefeito, governador ou outro cargo, seria obrigado à renúncia e não ao licenciamento. Assim ajudaria muito na renovação dos quadros políticos. No momento, o mandato é sempre objeto mudanças carregadas de enredos estranhos.

8 - Ficha suja
A ideia reinante é que o candidato condenado em primeira instância fique impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo. Creio ser precipitada a decisão nesse tom. Em certas comunas, com grupos influentes agindo sobre o Judiciário, muita gente poderia ser prejudicada com fabricação de "sentenças".

Mas sensato é que processos quanto a agentes públicos tenha um rito diferenciado, para se tornar mais célere. Condenações transitado em julgado (sem direito a recurso algum) garantem o amplo direito à defesa. Inaceitável, porém, é que determinados processos durem cinco, dez anos ou mais.

9 - Voto facultativo
O Brasil ainda não tem ambiente político-social para adotar essa modalidade de voto, em que o eleitor tem liberdade para votar ou não. É preciso primeiro formarmos consciência crítica e condições sociais para esse novo salto, como aconteceu em toda nação que o adotou até aqui.

Nota do Blog - Depois depois vou sequenciar o tema, com outra abordagem sobre nossa flácida democracia. CS

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